"PORQUE ONDE ESTIVER O TEU TESOURO, ALI ESTARÁ O TEU CORAÇÃO". Mt 6,21

terça-feira, 27 de setembro de 2011

O Purgatório - Sufrágio pelas almas

1.Dom Estêvão Bettencourt O.S.B.

Desde os primeiros séculos a Igreja tem orado pelos defuntos, principalmente na celebração da S. Eucaristia. O Concílio do Vaticano II, confirmando os dizeres de Concílios anteriores, convalidou tal praxe (ver textos à p. 145).

O fundamento teológico dos sufrágios pelos defuntos é o seguinte:

As almas, no purgatório, não podem acelerar o processo de sua purificação, pois são incapazes de merecer algo (o período de méritos é somente a vida presente). Contudo os cristãos na terra podem ser-lhes úteis em virtude da Comunhão dos Santos (ou Comunhão dos bens sagrados), que une todos os membros da Igreja entre si; já que todos os fieis – militantes, padecentes e triunfantes – formam o Corpo de Cristo, os méritos uns beneficiam os outros. Assim podem os fieis na terra satisfazer pelas almas no purgatório (ao passo que estas apenas podem “satispadecer”). Os sufrágios aplicados às almas do purgatório fazem com que estas sejam mais profundamente penetradas pelo amor de Deus, o qual nelas há de consumir mais rapidamente as impurezas do pecado.

2. Note-se, a propósito, que a comunicação de bens espirituais entre os fieis não conhece classes nem privilégios; todos os bens espirituais da Igreja circulam entre todos os membros desta. Por isto não é adequada a expressão “as almas mais abandonadas no purgatório”; todas as almas são beneficiadas pelos sufrágios gerais da Igreja; na há alma abandonada.

Mais explicitamente: não se deve conceber o purgatório como um cárcere, onde se encontrem prisioneiros de origens diversas; os que têm família numerosa e rica, aí recebem mais visitas e presentes, ou seja, passam melhor do que aqueles que pertencem a famílias pobres ou negligentes; poderão sair da prisão mais cedo do que os seus companheiros indigentes.

Evite-se transpor tal imagem, com suas categorias e classes, para o além-túmulo. O purgatório, de certo modo, transcende os conceitos que adquirimos neste mundo; pertence aos sábios e misteriosos desígnios salvíficos de Deus, a respeito dos quais a Revelação Divina é sóbria.

Por isso não se creia que uma alma do purgatório que na se beneficie de sufrágios - ou por não ter família, ou por só ter parentes incrédulos ou negligentes ou pobres ou negligentes ou pobres – é uma “alma abandonada”; na verdade, ela está envolvida pela infinita misericórdia de Deus, à qual se dirigem constantemente as preces e os sufrágios da Igreja peregrina na terra.

3. Assim também se vê que é infundida a objeção muitas vezes proferida: “As almas de famílias pobres, que não têm dinheiro para mandar celebrar a S. Missa, sofrerão mais, e mais tempo, no purgatório do que as almas dos ricos! O dinheiro é decisivo até no purgatório!”

Não se deve crer que essas regras de lógica terrestre e comercial sejam observadas também por Deus; o Senhor Altíssimo seria muito pobre, muito desfigurado, se atendesse menos solicitamente aos interesses daqueles que menos dinheiro têm em seu favor; herança monetária não significa primazia para alguém, diante de Deus. Jamais se deve esquecer que a graça e a misericórdia de Deus têm o primado sobre os esforços e as obras dos homens. As almas pobres, por conseguinte, são objeto do Amor salvífico de Deus tanto quanto as dos ricos; abstenhamo-nos de estabelecer uma ordem de prioridade nas relações de Deus com as almas.

Acontece, porém, que entre nós e as almas do purgatório há o dever de sufragar,... e de sufragar segundo determinada ordem: impõem-se à nossa caridade primeiramente aqueles que nos estão mais próximos (parentes, amigos, colaboradores, benfeitores...). A uma família cristã – pelo fato mesmo de ser cristã – toca o dever imperioso de sufragar as almas, a começar pelos membros defuntos dessa família.

4. E como sufragar?

Evidentemente a S. Missa, sendo o sacrifício da Cruz perpetuado para beneficiar os homens através dos séculos, é, da nossa parte, o meio mais eficaz para ajudar as almas do purgatório. Esta doutrina sempre foi professada e posta em prática pela Igreja.

É oportuno frisar que não se pode oferecer a Comunhão Eucarística como tal nem pelos vivos nem pelos defuntos; a Comunhão, enquanto sacramento, age apenas sobre o cristão a quem é dada; ninguém pode receber os sacramentos pelos outros. Todavia, na medida em que é obra boa e meritória, a S. Comunhão pode ser oferecida por vivos e defuntos.

Mencionem-se também as orações, particulares e comunitárias, dos fieis, a paciência nas provações de cada dia, os sacrifícios generosamente empreendidos por amor a Deus e ao próximo. – Deve-se frisar que o valor expiatório das obras boas e das preces pelos defuntos é dependente do grau de fervor e caridade de quem as cumpre.

5. Por último, observe-se que nos é impossível avaliar a duração do purgatório, pois este estado não é regido pelo sistema de anos e dias que na terra usamos, considerando os movimentos dos astros. No purgatório, a duração é representada pelos atos dos espíritos, atos de conhecimento e amor; cada um destes atos é uma unidade de duração ou um instante espiritual, e cada qual desses instantes pode corresponder a vinte, trinta ou sessenta horas do nosso tempo solar (como uma pessoa pode permanecer horas contínuas em êxtase, absorvida por um único pensamento); os atos sucessivos dos espíritos constituem a série dos instantes espirituais chamada “evo” ou “eviternidade”. Ora, já que não se vê qual a proporção vigente entre o tempo solar e o evo dos espíritos, torna-se-nos impossível avaliar a duração do purgatório para alguma alma.

A seguir: Espórtulas ou honorários

Nenhum comentário: