"PORQUE ONDE ESTIVER O TEU TESOURO, ALI ESTARÁ O TEU CORAÇÃO". Mt 6,21

domingo, 4 de novembro de 2012

Por que rezar pelos mortos?

Em Mateus 8,22, Jesus exorta:  “Segue-me, e deixa os mortos enterrarem seus mortos”.
Que diremos a propósito do texto acima? Ou de que pense que não adianta rezar pelos mortos, ou que temos que fazer algo de nossa vida enquanto temos vida e não depois da morte; e que muitos católicos questionam estes ‘costumes’.
 Dom Estêvão Bettencourto O.S.B. responde:
Devemos reconhecer que ninguém pode merecer coisa alguma na vida póstuma; é nesta vida que nos formamos, praticamos obras boas, pois a morte nos estabiliza em nossa última opção. Tal como estivermos na hora da morte, assim ficaremos para sempre em nosso relacionamento com Deus. Se alguém morre com sincero amor a Deus, não recairá no pecado, porque se terá estabilizado no bem; e, se alguém morre consciente e voluntariamente avesso a Deus, não poderá converter-se ao Senhor. Estas verdades são clássicas no Cristianismo.
Coloquemos agora uma pergunta: se alguém morre com seu amor sinceramente voltado para Deus, mas ainda portador de resquícios do pecado, como são as impaciências, as maledicências, as omissões... que ocorrem no dia a dia, essa pessoa poderá ver Deus face a face? Deus é três vezes Santo; pode alguém contemplá-lo com a alma ainda carregada de pecado, mesmo que seja apenas pecado leve? A lógica nos diz que não; há contraste entre a santidade de Deus e qualquer tipo de pecado, de modo que a própria alma da pessoa falecida sentirá o despropósito e também o desejo de se preparar devidamente para a visão de Deus face a face.
A esta altura alguém dirá: “Mas Cristo já satisfez por mim, de modo que estou livre de meus pecados. Quando eu morrer, Cristo me recobrirá com o seu manto de justiça ou de santidade e assim eu, pecador, passarei por Santo diante de Deus. não me devo importar com a eliminação dos “pecadinhos” e das más tendências, pois isso seria impossível e inútil; basta a satisfação prestada por Cristo em meu nome, para que o Pai do céu me aceite”.
Meu caro leitor, esta é a doutrina protestante: ensina que a alma humana está vendida ao pecado, está indelevelmente marcada pelo pecado, de modo que é desnecessário e impossível querer purificar-se dos resquícios de nossas culpas. É suficiente, dizem, ter fé nos méritos do Salvador. Que responderemos a esta tese?
Responderemos com Santo Agostinho, dizendo: “Aquele que te criou sem ti, não te salva sem ti”. Isto quer dizer que Deus nos oferece as graças, os recursos da salvação, o sangue precioso de Cristo..., mas quer que os recebamos consciente e voluntariamente; se Ele nos deu inteligência e vontade, Ele quer que as apliquemos aos interesses de nossa salvação, encaminhando-nos consciente e voluntariamente para Ele na luta contra o pecado e na procura de uma pureza maior até chegar a ser total.
Eis, porém, que o nosso leitor poderá objetar: não estamos invencivelmente sujeitos ao pecado? É possível extinguir toda raiz do pecado existente em nós?
- Respondemos que sim; é possível e até necessário. É o próprio São João quem no-lo diz em 1Jo 3,2s: “Caríssimos, desde agora somos filhos de deus, mas o que seremos, ainda não se manifestou. Sabemos que, quando Ele aparecer, seremos semelhantes a Ele, já que o veremos tal como Ele é. e todo aquele que nele põe esta esperança, torna-se puro como Ele é puro”.
É bem claro o pensamento de São João: somos chamados a ver Deus face a face e, para que isto aconteça, devemos procurar purificar-nos para sermos puros como Ele (Jesus) é puro. Essa pureza consiste em eliminar da nossa vida toda incoerência, não pactuar com a negligência, ou com uma certa mediocridade ou com um certo contentamento pelo que somos e conseguimos. O cristão não para; ele não diz: “Já fiz minha parte, Jesus fará o resto, Ele cobrirá a mim (pecador) com o seu manto de santidade e eu, pecador, passarei por Santo diante do Pai”. Não; o sermão da montanha (Mt 5-7) no incita a procurar sempre mais a perfeição, dizendo até: “Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48).
Perguntará alguém: “E se o cristão não conseguir erradicar toda raiz de pecado até a hora da passagem para a outra vida, que acontecerá?” Acontecerá o seguinte: Deus, em sua misericórdia, concederá uma chance póstuma de purificação, que é precisamente chamada “o purgatório”. Este não é um lugar com fogo e diabinhos atormentando a alma, mas é um estado póstumo, no qual o cristão verá, com toda a nitidez, que o “pecadinho” é uma coisa séria e deve ser repudiado com todas as fibras do nosso coração; não pode haver complacência com o pecado; na outra vida teremos a ocasião de repudiar o pecado com mais ardor do que neste mundo, quando ele nos seduz muito sorrateiramente.
Por conseguinte, existe o purgatório póstumo, alias documentado em 2Mc 12,38-45 e 1Cor 3,10-15.
Vem agora a questão final: mesmo dado que existe o purgatório, ainda subsiste a indagação: para que serve nossa oração pelos mortos, se a sua sorte já está definida? Nossa oração pelos mortos não tem por objetivo obter a conversão dos que partiram para o além em pecado grave; ela tem em vista aqueles que partiram desta vida convertidos ao Senhor, mas ainda carregados de certas incoerências ou impurezas (caso que, alias, parece ser bastante frequente). Pedimos a deus por essas almas, para que o amor a Deus, nelas existente, penetre o fundo do eu ser e extinga todo amor desregrado e todo apego ao pecado. Com outras palavras: pedimos que o amor a deus arranque o caroço da tiririca que permanece no cristão, mesmo quando ele se confessa e reconhece contritamente os seus pecados. é este o sentido da oração pelos mortos; é um ato de caridade para com nossos defuntos. Se nós rezamos por nossos irmãos nesta vida quando estão doentes ou atribulados, por que não rezaríamos por nossos irmãos, na outra vida, necessitados de acabar a purificação dos seus afetos para poder logo ver Deus face a face? a caridade deve ser a mesma para com os da Terra e os do além; somos solidários uns com os outros. Deus, que assim nos fez interdependentes, não permite que a morte interrompa a comunhão que ele estabeleceu entre nós.
Para ilustrar estas verdades, seja citada uma bela passagem dos escritos de Santa Teresinha de Lisieux, muito humilde, mas muito cheia de Deus, a ponto que se pensa em proclamá-la Doutora da Igreja.
Santa Teresinha no Carmelo tinha a incumbência de rezar por um padre missionário, que trabalhava em região longínqua; era o Pe. Bellière. Certa vez, a religiosa lhe escreveu uma carta, na qual dizia: “V. Revma prometeu rezar por mim durante toda a sua vida. Sem dúvida, ela será mais longa do que a minha, e não lhe será permitido cantar como eu: ‘Tenho esperança, meu exílio será curto...’ (estrofe 9 da poesia de Teresa intitulada ‘Viver de amor’). Mas não lhe é permitido esquecer sua promessa de rezar por mim. Se o Senhor Jesus me levar cedo consigo, peço-lhe que continue, cada dia, a mesma oração, pois desejarei no céu a mesma coisa que na Terra: ‘Amar Jesus e torna-lo amado’”.
Como se vê, a grande Santa pedia a um sacerdote presente na Terra que rezasse por ela depois que ela partisse, a fim de que pudesse amar Jesus..., e amar Jesus sem nenhum entrave de pecado que lhe pudesse ficar na alma.
Por outro lado, Santa Teresinha prometia que, no céu, rezaria por todos os seus irmãos ainda peregrinos na Terra – o que é possível e real dentro da Comunhão dos Santos, na qual estamos todos inseridos, quer vivamos neste mundo, quer no além: “Sinto que vou entrar no repouso... Mas sinto, sobretudo, que minha missão vai começar, minha missão de fazer amar o bom Deus como ao amo, de mostrar meu pequeno caminho às almas. Se o bom Deus ouvir meus desejos, meu céu se passará na Terra até o fim do mundo. Sim, quero passar meu céu a fazer o bem sobre a Terra. Isto não é impossível, visto que, no próprio seio da visão beatífica, os anjos zelam por nós”. (Caderno Amarelo, 17,7).
Vemos assim, prezado (a) leitor (a), o valioso significado da Comunhão dos Santos, na qual rezamos por nossos irmãos que passaram para a outra vida, e eles por nós. E – notemos bem – o melhor sufrágio pelos mortos é certamente o Santo Sacrifício de Cristo oferecido sobre os nossos altares.

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