"PORQUE ONDE ESTIVER O TEU TESOURO, ALI ESTARÁ O TEU CORAÇÃO". Mt 6,21

segunda-feira, 15 de março de 2010

Carta a uma Mãe que Renuncia à Maternidade

Texto extraído da Revista Pergunte e Responderemos – julho 1988 – nº 314

Com este título, um ginecologista espanhol, o Dr. Júlio Cruz y Hermida, dirigiu uma carta, através do jornal YA (21/04/1988), a uma senhora – cuja identidade, logicamente, não revela – que tinha ido ao seu consultório para solicitar-lhe o aborto do filho que ela esperava.

“Estimada amiga...

Vieste confirmar o teu incipiente estado de gravidez; os estudos hormonais e de ultra-sonografia o confirmaram. Tu não querias este filho, e foi assim que te expressaste com muita convicção.

Conheces as minhas ideias a respeito. Mas, quando invoquei em favor do teu pequeno embrião o direito à vida, tive da tua parte umas respostas como: ‘Outro filho vai desequilibrar-me psicológica e economicamente’, ‘Se o senhor chama pessoa a um montão de células...’, ‘Creio que, se hoje desfrutamos de liberdade para tudo, por que uma mulher não terá liberdade em relação ao seu próprio corpo...?’

Minha boa amiga, permite-me que, os argumentos anteriores..., não os tome em consideração , porque a biologia e o senso comum invalidam toda controvérsia a este respeito. Mas o que se refere à liberdade, dá-me ocasião de ampliar o comentário que naquela ocasião te expus. Se Madame Roland, da Revolução Francesa, tivesse ouvido essas tuas palavras, possivelmente teria repetido o que ela sentenciou para a história: ‘Ó liberdade! Quantos crimes se cometem em teu nome!’

A liberdade, que tu monopolizas, deveria ser repartida entre os três protagonistas do tripé em que se encontra o problema: a mulher, o feto e o médico. Ou o que é mais certo: a tua liberdade, a liberdade da criança, a minha liberdade.

A tua liberdade... Perdoa-me que não esteja de acordo com o sentido egocêntrico da tua liberdade. Naturalmente és dona do teu corpo, sempre que as tuas ações não repercutam negativamente sobre outros... De qualquer parte do teu corpo podes fazer o que queiras, desde morder-te as unhas até extirpar-te as amígdalas ou o cisto que te enfeia o rosto... Minha querida amiga, o que tens implantado no útero, na é do teu corpo, é algo que albergas nele: com vida humana, código genético e estruturas corporais perfeitamente sistematizadas e em constante desenvolvimento... Não se trata de mera possibilidade de vida. É claro que depende de ti na sua evolução, mas com inquestionável independência biológica.

A tua liberdade, tu a pudeste invocar antes de o conceber, pois para isso és livre. Agora já não o podes. Se fazes uso da tua espúria liberdade para eliminar o feto, não te convertes em livre, mas sim em feticida e escrava da tua manipulada liberdade. ... A liberdade – já o disse Bismarck – é um luxo que nem todos podem permitir-se; no teu caso deixa de ser um direito para converter-se num amargo luxo que te desacredita como mulher e como mãe...

A liberdade da criança... A liberdade do ser que concebeste... Sem dúvida, amiga, se, ao invés de informar-te que, verificando-se tal ou qual hipótese legal, podes interromper a tua gravidez, te explicassem que podes decapitar o teu filho, não sofrerias um abalo amargo no mais profundo da tua sensibilidade? Tens que convir que o eufemismo interromper a gravidez não deixa de ser um sutil narcótico de consciência, colocando habilmente na lei para evitar possíveis remorsos. Mas este pequeno embrião ou feto em também o direito à sua própria liberdade (ainda que ninguém lhe pergunte pelo seu desejo de viver), ao amparo silencioso da lei natural, em contraposição à lei dos homens, que se erguem em juízes condenatórios da vida dele.

Tem direito a viver, ainda que a sua concepção tenha sido tristemente manchada pela violência... Tem direito a viver, ainda que a sua vida comprometa a tua (para isto existimos nós, os médicos, dispostos a acabar com a manipulada falácia de que se deve escolher entre a mãe e o filho). Tem direito a viver, ainda que o suponham portador de alguma doença ou anomalia (se os enfermos ou inválidos perdessem o direito de viver, a deusa Eutanásia reinaria no mundo).

A minha liberdade... Com certeza pensarás: por que vem invocar a sua liberdade num assunto tão pessoal e próprio como o de decidir a sorte do que eu concebi? Permite-me que te responda. Eu – a maioria dos médicos – formamos o tripé no qual se integra a vida do teu filho, já que os senhores que fazem a lei nos impõem o papel de executores neste macabro lance, por causa dos nossos conhecimentos técnicos. Pois bem; a própria lei nos defende deste espanto e nos outorga uma defesa para que possamos sentir-nos médicos e protetores da vida no sentido mais hipocrático: a objeção da consciência.

Um direito fundamental que garante a Constituição. Por causa disto, alguns de nós padecem sérias dificuldades no desempenho das nossas funções profissionais. Por mantê-lo valentemente, outros não puderam chegar a postos oficiais no nosso sistema de saúde... Esta é a nossa grande liberdade, que devemos exercer com orgulho e firmeza.

A tua liberdade para desfazer-se do teu filho, tens que confrontá-la com a dele para sobreviver e com a minha para não o executar. Compreendo que o tripé neste confronto pode abalar-se, mas isto porque nos achamos num clima de tensões. Quando exiges que se admita a tua liberdade, pensa que ela acaba onde começa a liberdade dos demais: a da criança e a minha”.

Os arrazoados do Dr. Júlio são particularmente válidos no Brasil de nossos dias, quando os constituintes não quiseram garantir a proteção à vida humana desde a sua origem...!

Estêvão Bettencourt O.S.B.

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