"PORQUE ONDE ESTIVER O TEU TESOURO, ALI ESTARÁ O TEU CORAÇÃO". Mt 6,21

sábado, 17 de julho de 2010

“Se Deus ama, Ele perdoa e não condena”

Em síntese: Deus quer que todos os homens se salvem, mas não impõe seu amor a ninguém. É a criatura que se condena afastando-se do Sumo Bem consciente e voluntariamente. Quantos são os que morrem assim, avessos a Deus, não podemos dizer; muitos pecadores podem converter-se na hora da morte sem dar sinal que o exprima. Donde se conclui que o debate sobre tal questão é pouco recomendável, pois carece de dados concretos.

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Fevereiro 2003: A Redação de Pergunte e Responderemos recebeu a seguinte mensagem, que bem exprime o pensamento de muitos internautas:

“Aprendi que Deus tirou as criaturas do nada (onde não há sofrimento), colocou-as no mundo para serem felizes, ama-as, é misericordioso e deu-lhes o livre arbítrio, para escolher entre o bem e o mal (o céu e o inferno).

Eis a contradição.

Eu amo muito meu filho. Sou capaz de perdoar-lhe todos os erros e não lhe desejo nenhum castigo, a não ser aquele que possa, de fato, corrigi-lo; mas não que o faça sofrer para sempre.

Custa-me crer que Deus, amando as criaturas com um amor infinitamente maior do que aquele que nutro por meu filho, possa permitir que alguém, por suas atitudes, possa escolher ou ser mandado para uma situação de eterno sofrimento. Não seria mais lógico devolvê-lo ao nada? Deus não é humano. É infinitamente superior. Se fosse humano, agiria como nós: com ódio, ira, rancor, represália. Se meu filho errar, apesar de consciente de seu ato, eu faria tudo o que estivesse ao meu alcance para livrá-lo das consequências de sua atitude errada. Deus é poderoso e tudo está ao seu alcance. Ninguém escolhe ir para o inferno, segue, sim, tendências, apelos prazerosos e naturais, que, dizem desagradam a Deus. Mas creio que Deus é tão grande, que criatura alguma consegue ofendê-lo. Em suma, a existência do Inferno é incompatível com a afirmação de que Deus é amor e infinitamente misericordioso, a menos que a vida no inferno seja melhor do que a terrena ou a que propicie plena saciedade. O céu, evidentemente, seria algo muito melhor, que os condenados desconheceriam. Sei que há uma parábola em que Jesus trata desse assunto, mas, sinceramente, vejo tantas contradições na Bíblia, que fico confuso”.

Que responder?

A resposta se estenderá por sete etapas:

1. “Deus quer que todos os homens se salvem” (1Ttm 2,4). Ele a ninguém criou para a perdição, mas para todos existe a mesma vocação ao consórcio da bem-aventurança divina. E, a fim de que a criatura atinja tal termo, Deus oferece a cada qual os meios de salvação até o último instante de sua vida terrestre. O Criador não abandona a criatura, nem mesmo a mais rebelde.

2. Por conseguinte Deus a ninguém condena. É a criatura que condena a si mesma, afastando-se do Sumo Bem consciente e voluntariamente. Com outras palavras: é o ser humano quem lavra a sua sentença definitiva. Não se deve imaginar que após a morte do indivíduo, há um tribunal com juiz e assessores para pesar quanto a criatura fez de bom e de mau e daí tirar a média... média que o indivíduo ignorava até ser proferida pelo Juiz Divino. Seria errôneo pensar assim. Toda pessoa que morre, sabe se morre unida ao Senhor ou em aversão a Ele, não tem que esperar um sentenciamento póstumo.

Verdade é que a Escritura fala frequentemente de Deus como Juiz e acena para um futuro juízo de Deus. Estas locuções não hão de ser entendidas em sentido antropomórfico, como se Deus precisasse de avaliar méritos e deméritos da sua criatura para definir se será salva ou não. O juízo particular, logo após a morte, consiste em mostrar à criatura “o filme de sua vida”, a fim de que ela veja, como Deus vê, os valores e desvalores de sua vida terrestre.

3. Como o melhor dos pais, Deus perdoa qualquer pecado sob a condição de que a criatura esteja arrependida e deseje receber o perdão. Ele não impõe o seu amor. a parábola do filho pródigo (Lc 15,11-32) atesta essa prontidão do perdão divino concedido à criatura que diga “Pequei!”. Por conseguinte a perda definitiva só é possível no caso de alguém não querer em absoluto o perdão divino. Supõe a pessoa endurecida no mal e alheia a qualquer tipo de conversão.

4. Pergunta-se agora: quantos são aqueles que morrem em tais condições de ânimo? – A resposta escapa, por completo, ao alcance do homem. Só Deus vê o que acontece no íntimo da pessoa humana na hora da morte; pode haver muitas conversões não manifestadas, de modo que seria temerário definir a sorte póstuma de quem quer que seja. Por isto não há como debater a questão proposta; faltam dados concretos para tanto.

5. Semelhante resposta seja dada à pergunta: Por que Deus cria aqueles que de antemão Ele sabe que se perderão? – Este sujeito “os que se perderão” é, para nós, uma incógnita, de sorte que a pergunta fica vaga ou sem fundamento preciso para discussão.

6. É certo que, por definição, Deus é o Santo e Perfeito, no qual não pode haver falha alguma. Um Deus criticável, porque menos sábio ou menos justo do que os homens, não seria Deus. Se não o entendemos, isto se deve não a deficiência da parte dele, mas sim ao fato de que Ele supera os limites do nosso intelecto, por sua santidade e suas perfeições. Um Deus que nós compreendêssemos totalmente não seria Deus, mas uma ficção projetada por nossa mente. Portanto não nos surpreendermos diante dos insondáveis desígnios de Deus.

7. “Na Bíblia há tantas contradições...”, contradições aparentes apenas. Isto se compreende pelo fato de que o Livro Sagrado foi escrito paulatinamente no decorrer de quase vinte séculos por mãos de diversas culturas, que utilizaram gêneros literários diferentes dos modernos e, por isto, causam dificuldades ao leitor contemporâneo. O estudo de uma Introdução à Bíblia pode contribuir para dissipar, em parte ao menos, o problema.

Estêvão Bettencourt O.S.B.

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