"PORQUE ONDE ESTIVER O TEU TESOURO, ALI ESTARÁ O TEU CORAÇÃO". Mt 6,21

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O Purgatório

Dom Estêvão Bettencourt O.S.B.

Por “purgatório” entende-se o estado (não um local) em que as almas dos fieis que morrem no amor de Deus, mas ainda portadoras de inclinações desregradas e resquícios do pecado, se libertam destas escórias mediante uma purificação do seu amor. o purgatório vem a ser uma concessão da misericórdia divina, que quer condenar a quem O ama, mas não pode receber em sua santíssima presença qualquer sombra de pecado.

A doutrina do purgatório merece, hoje em dia, ser reestudada. Certas descrições assaz fantasiosas da expiação póstuma contribuíram para fazer perder de vista quanto de belo e nobre há nessa proposição da fé. Por isto, nas páginas que se seguem, procuraremos apresentar a noção de purgatório despojada de concepções pouco condizentes com o depósito revelado.

1. Purgatório: Bíblia e magistério

Antes do mais, é preciso averiguar o que se encontra nos mananciais da fé a respeito do purgatório.

1) Escritura Sagrada

A doutrina do purgatório não se encontra explícita nos livros da Escritura; contudo algumas passagens bíblicas apresentam as ideias fundamentais que a inspiram. Tenham-se em vista os textos seguintes: 2Mc 12,39-46: 39. No dia seguinte, Judas e seus companheiros foram tirar os corpos dos mortos, como era necessário, para depô-los na sepultura ao lado de seus pais. Ora, sob a túnica de cada um encontraram objetos consagrados aos ídolos de Jâmnia, proibidos aos judeus pela lei: todos, pois, reconheceram que fora esta a causa de sua morte. Bendisseram, pois, a mão do justo juiz, o Senhor, que faz aparecer as coisas ocultas, e puseram-se em oração, para implorar-lhe o perdão completo do pecado cometido. O nobre Judas falou à multidão, exortando-a a evitar qualquer transgressão, ao ver diante dos olhos o mal que havia sucedido aos que foram mortos por causa dos pecados. Em seguida, fez uma coleta, enviando a Jerusalém cerca de dez mil dracmas, para que se oferecesse um sacrifício pelos pecados: belo e santo modo de agir, decorrente de sua crença na ressurreição, porque, se ele não julgasse que os mortos ressuscitariam, teria sido vão e supérfluo rezar por eles. Mas, se ele acreditava que uma bela recompensa aguarda os que morrem piedosamente, era esse um bom e religioso pensamento; eis por que ele pediu um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres de suas faltas.

No dia seguinte ao da vitória sobre o general pagão Górgias, Judas Macabeus (+ 160 a. C) descobriu, debaixo das túnicas de seus soldados mortos, pequenos ídolos de que se haviam apoderado no saque de Jâmnia; eram objetos impuros, que a Lei proibia aos israelitas guardar consigo. Acreditava, porém, que os soldados “haviam morrido piedosamente” – o que insinua que a sua culpa não fora grave ou, caso o fora, dela se tinham arrependido antes de morrer. Não obstante, depois da morte ficaram-lhe aderências do mal, das quais deviam ser libertados, a fim de poderem conseguir a “bela recompensa”. E Judas julgava que, em vista desta purificação, lhes podiam ser úteis os sufrágios dos vivos, razão pela qual mandou oferecer um sacrifício expiatório em Jerusalém.

b) 1Cor 3,10-16: 10. Segundo a graça que Deus me deu, como sábio arquiteto lancei o fundamento, mas outro edifica sobre ele. Quanto ao fundamento, ninguém pode pôr outro diverso daquele que já foi posto: Jesus Cristo. Agora, se alguém edifica sobre este fundamento, com ouro, ou com prata, ou com pedras preciosas, com madeira, ou com feno, ou com palha, a obra de cada um aparecerá. O dia do Senhor demonstrá-lo-á. Será descoberto pelo fogo; o fogo provará o que vale o trabalho de cada um. Se a construção resistir, o construtor receberá a recompensa. Se pegar fogo, arcará com os danos. Ele será salvo, porém passando de alguma maneira através do fogo.

O texto trata dos pregadores do Evangelho, os quais edificam sobre Cristo, e não sobre fundamento estranho ou falso. Uns, porém, constroem com zelo (servindo-se de outro, prata, pedras preciosas); outros, com negligência e tibieza (com madeira, feno, palha...). O dia Senhor, ou dia do juízo revelará o afinco de cada qual dos operários. Enquanto os primeiros nada terão de temer, os outros sofrerão detrimento, isto é, padecerão dores e penas; todavia não deixarão de se salvar; salvar-se-ão depois de provar a angústia devida às suas obras imperfeitas – o que (pode-se dizer) insinua o tipo de salvação que ocorre mediante o purgatório (o fogo, porém, neste contexto não é senão o símbolo do juízo de Deus).

Os autores citam também o texto de Mt 5,25s; Jesus aí dá a entender que, aos a caminhada da vida presente (a via), pode haver um cárcere (metáfora), donde o homem réu sai depois de ter expiado por completo. O texto não é suficientemente claro. Como quer que seja, vê-se que a Escritura fornece ao leitor os dados que constituem a estrutura da doutrina do purgatório.

A seguir: O Purgatório

2. Magistério da Igreja
3. Que é propriamente o purgatório?
4. Noções complementares
5. Sufrágios pelos defuntos

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