"PORQUE ONDE ESTIVER O TEU TESOURO, ALI ESTARÁ O TEU CORAÇÃO". Mt 6,21

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Culto aos Santos – Comentário



Dom Estêvão Bettencourt O.S.B.

Como se vê, o texto procura ater-se às afirmações bíblicas 
a fim de depreender das mesmas o lugar que toca a Maria e aos Santos na piedade cristã.

Eis, em poucas palavras, o seu conteúdo:

1)      A S. Escritura nos diz que Cristo é Cabeça de um corpo, do qual nós somos membros. Ora desta realidade de Cabeça-Corpo segue-se que existe uma comunhão de vida e de interesses entre Cristo e os cristãos, como também entre os próprios cristãos.

2)      Comunhão é solidariedade. E solidariedade se exprime pela oração: a) oração de Cristo por nós na medida em que é nosso Sacerdote (cf. Hb 7,25; ¹ b) oração dos cristãos uns pelos outros.

3)      A morte de um cristão na terra não extingue essa comunhão; por isso ela subsiste entre os fieis peregrinos neste mundo e aqueles que já passaram para a glória do Pai.

A Declaração* fundamenta as suas afirmações no fato de que Cristo está sempre vivo a interceder por nós (cf. Hb 7,25), como também em textos bíblicos que professam a existência póstuma dos “falecidos”: “O Deus de Abraão, Isaque e Jacó não é Deus de mortos, mas de vivos!” (cf. Mc 12,27); “os que deixam a mansão deste corpo, vão morar junto do Senhor” (cf. 2 Cor 5,8). – Poder-se-iam citar ainda duas outras passagens escriturísticas, que, embora não sejam reconhecidas como canônicas pelos protestantes, são o testemunho das crenças dos judeus nos séculos II/I a.C.

Em 2Mc 15,11-16, narra-se que Judas Macabeu teve uma visão na qual lhe apareciam Onias, sumo sacerdote já falecido, e o profeta Jeremias, também já falecido, como intercessores em prol do povo de Judá ao Senhor Deus. Eis o texto bíblico em pauta:

“Tal foi o espetáculo que tocou a Judas apreciar: Onias, que tinha sido sumo sacerdote, homem honesto e bom, modesto no trato e de caráter manso, expressando-se convenientemente no falar, e desde a infância exercitado em todas as práticas da virtude, estava com as mãos estendidas, intercedendo por toda a comunidade dos judeus. Apareceu a seguir, da mesma forma, um homem notável pelos cabelos brancos e pela dignidade, sendo maravilhosa e majestosíssima a superioridade que o circundava. Tomando entoa a palavra, disse Onias: ‘Este é o amigo dos seus irmãos, aquele que muito ora pelo povo e por toda a cidade santa, Jeremias, o profeta de Deus’.”

O outro texto que vem ao caso, é o de 2Mc 12,40-45, - (texto já comentado em outra postagem sobre O Purgatório) . Atesta, por sua vez, que já antes de Cristo os judeus admitiam a comunhão entre os vivos e os mortos e a intercessão daqueles em favor destes. Julgam os teólogos que, em vista da solidariedade existente entre vivos e defuntos, Deus comunica a estes as preces e os grandes interesses dos seus irmãos ainda peregrinos na terra. De resto, Santa Teresinha de Lisieux exprimia o senso de comunhão que ela trazia em seu íntimo, ao exclamar:

“Se meus desejos forem atendidos, o meu céu decorrerá sobre a terra até o fim do mundo. Sim: quero passar o meu céu a fazer o bem sobre a terra. Isto não é impossível porque na visão beatifica os anjos vigiam sobre nós. Não; eu não poderei tomar repouso até o fim do mundo e enquanto houver almas a salvar. Mas, quando o anjo tiver dito: ‘Já não há mais tempo!’ (Ap 10,6), então eu repousarei; poderei gozar porque o número dos eleitos estará completo: todos terão entrado na alegria e no repouso. Meu coração exulta com este pensamento” (Novíssima Verba).

Não há dúvida, a Santa usou de antropomorfismo ao dizer que no céu não descansaria enquanto houvesse tempo; desde que entram na visão beatífica, os santos estão plenamente felizes.

4)      A oração dos Santos pelos fieis peregrinos, como qualquer outra forma de oração, não tem o papel de informar Deus a respeito de necessidades nossas, como se Ele as ignorasse. O Senhor Jesus recomendou-nos insistentemente o recurso à oração (cf. Lc 11,9s; Jo 14,13s; 16,23s), não para “negociarmos” ou “barganharmos” com Deus, tentando dobrar a vontade do Pai ao nosso modo de ver, mas para que colaboremos conscientemente com o plano de Deus. com efeito; quem reza, pode pedir a Deus o que seja honesto, mas dirá sempre no fim, com Cristo: “Faça-se a tua vontade, e no a minha!” (Mc 14,36).

Orar, portanto, é apresentar a Deus, de maneira consciente e generosa, os nossos anseios de que se cumpram os seus santos desígnios; e, para que se cumpram, sugerimos ao Pai o que nos parece condizente com a sua santa vontade: dê-nos o pão de cada dia, a saúde, a veste, a casa..., a alegria; pedimos sugerindo, pedimos supondo que tais objetos correspondam realmente ao intento salvífico do Pai; não imperamos. É assim que colaboramos com a Providência Divina mediante a oração.

5)      Neste contexto percebe-se o lugar de Maria dentro da piedade cristã. Na qualidade de Mãe do Redentor, Ela se acha em especial relação com Cristo. Ademais Ela participa da liturgia celeste de que fala o Apocalipse, como participou da oração dos Apóstolos na expectativa de Pentecostes. Por conseguinte, Maria ora na Igreja e com a Igreja e sua oração não pode deixar de ter especial graciosidade, visto que foi elevada a dignidade singular dentro do plano de Deus.

6) a exaltação da figura de Maria qual Mãe e Advogada do gênero humano não acarreta detrimento para a glória devida a Deus só. Nem Maria nem algum outro santo pode fazer algo de grande em prol dos homens a não ser que isto lhes seja concedido pelo próprio Deus mediante Jesus Cristo. É sempre a obra do Redentor que vemos frutificar nos santos, inclusive na intercessão de Maria em favor do gênero humano.

A piedade para com Maria coaduna-se perfeitamente com o Cristocentrismo que deve caracterizar o cristão; com efeito, este deve ter por programa procurar reproduzir em si a imagem e a vida do Cristo (cf. Rm 8,29); todavia, quanto mais assemelhado a Cristo, tanto mais o cristão há de nutrir para com Maria os sentimentos de veneração e estima filial que Jesus alimentava para com sua Mãe SS.; tanto mais ele será para Maria um outro Jesus. Torna-se, pois, lógica a devoção a Maria, desde que o cristão faça de Jesus o grande referencial da sua vida; ela decorre naturalmente do Cristocentrismo.

Como se vê, a piedade mariana, que, entre grupos protestantes mais recentes, se torna objeto de duros ataques, vem a ser mais e mais entendida e justificada por parte de denominações evangélicas mais antigas e tradicionais; onde os ânimos serenam, pondo de lado qualquer atitude fanática ou obcecada, o olho da fé percebe mais nitidamente a verdade contida na Bíblia e na Tradição e se aproxima de Maria SS., a quem Jesus, antes de morrer, confiou o gênero humano (cf. Jo 19,25-27).

7) A justificativa da piedade para com Maria legitima o culto aos demais Santos, que com Maria SS. integram o Corpo Místico de Cristo ou a comunhão dos santos.

A tradição católica designa como dulia a devoção aos Santos, e hiperdulia a devoção a Maria, tencionado, mediante estes termos, pôr em relevo a diferença existente entre Maria, a Mãe de Deus, e os demais Santos; está claro que à Virgem SS. toca um lugar eminente entre os justos e, por isto, lhe é prestada honra sem par.

É de notar que o culto aos santos nada tem que ver com adoração ou com a apoteose prestada aos heróis pagãos. A adoração (latria) convém a Deus só. A dulia é tão somente a veneração que espontaneamente os fieis católicos prestam aos seus irmãos que heroicamente lutaram nesta vida e obtiveram a coroa da vida eterna; toda família venera respeitosamente os seus antepassados, sem os adorar.

Deve-se ainda mencionar que a liceidade do culto aos Santos como também a do uso das imagens foram longa e calorosamente discutidas durante o século VIII, por influência do judaísmo e do islamismo sobre os cristãos. Após muitos estudos e debates, a consciência cristã se afirmou claramente no Concílio de Nicéia II (787) em favor da dulia aos Santos em geral e da hiperdulia a Maria SS.

Diálogo Ecumênico

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¹ “(Cristo) pode salvar, agora e sempre, os que por seu intermédio se aproximam de Deus, pois está sempre vivo para interceder por eles” (Hb 7,25).
* Autora do Blog: Conferir na postagem anterior a “Declaração”.

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