"PORQUE ONDE ESTIVER O TEU TESOURO, ALI ESTARÁ O TEU CORAÇÃO". Mt 6,21

quinta-feira, 11 de março de 2010

A Loucura da Cruz


A Páscoa é a festa da vitória da Vida sobre a morte ou a festa da conversão da morte em canal para a Vida ou ainda a festa da recriação do ser humano ferido pelo pecado.

Essa grandiosa realidade é expressa por um símbolo muito significativo para os cristãos: a cruz. Esta era no mundo pré-cristão o patíbulo da ignomínia, reservada aos escravos e ao rebotalho da sociedade. O crucificado era geralmente privado de sepultura e abandonado aos animais selvagens e às aves de rapina. Dizia Cícero que “a cruz era o suplício mais cruel e mais repugnante”, e Sêneca a tachava de “poste infamante e sinal de vergonha”.

Pois bem; Deus Filho feito homem quis assumir o suplício da cruz. Ele, o Santo e Inocente... a fim de mudar-lhe o significado, pois fez da cruz o preâmbulo da ressurreição. Ele nada devia à morte; por isto atravessou a morte e reapareceu como nova criatura. Esta inversão dos significados podia parecer4 loucura aos olhos da razão, como alias atesta um gráfico encontrado na colina do Palatino em Roma: é aí representado um homem em oração diante da imagem de um Crucificado com cabeça de burro; uma inscrição explicava: “Alexâmenos adora o seu Deus”... São Justino refere: “Os pagãos dizem que a nossa demência consiste em colocar um homem crucificado em segundo lugar, depois de Deus imutável e eterno, Deus criador do mundo” (Apologia I 13,4). Os judeus pensavam do mesmo modo ao dizerem: “Colocais vossa esperança num homem que foi crucificado”.

Os cristãos, a princípio, sentiram o desconcerto provocado pela reviravolta. Não ousavam representar Cristo na cruz, mas ornavam-na com pedras preciosas e flores: tencionavam assim caracterizá-la como o trono em que reina o Senhor da glória. Observavam que a cruz estende sua haste vertical e seus braços na direção dos quatro pontos cardeais, de modo que S. Ireneu (+ 202) podia escrever, aludindo a essa dimensão cósmica da Cruz: “O autor do mundo no plano invisível contém todas as coisas criadas e encontra-se gravado (em forma de cruz) em toda a criação” (Contra as Heresias V 18,3).

Ora todo cristão é chamado a carregar uma parcela da cruz de Cristo. É para desejar que a carregue em atitude de Páscoa, ciente de que está sendo acompanhado pelo Autor da Vida, que vence a morte num duelo admirável. Lembre-se do Apóstolo São Paulo: vítima de achaques diversos, podia escrever, salientando o paradoxo ou a loucura da Cruz: “É na fraqueza (do homem) que a força (de Deus) manifesta todo o seu poder... Por isto eu me comprazo na fraqueza,nos opróbios, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por causa de Cristo. Pois, quando sou fraco, então é que sou forte” (2Cor 12, 9s).

Quem disto está convicto, jamais perde a alegria de Páscoa, pois sabe que é co-herdeiro com Cristo, é filho no FILHO bem-amado desde toda a eternidade!

Dom Estêvão Bettencourt O.S.B.

Revista Pergunte e Responderemos – Março 2005 – Nº 513

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