"PORQUE ONDE ESTIVER O TEU TESOURO, ALI ESTARÁ O TEU CORAÇÃO". Mt 6,21

quarta-feira, 17 de março de 2010

"Os Tempos São Maus"

Dom Estêvão Bettencourt

Num de seus sermões, S. Agostinho referia-se a um chavão do linguajar de sua gente: “Os tempos são maus e ingratos! Outrora eram melhores!” Os cristãos o diziam no século V, apavorados pelas invasões dos bárbaros, que ameaçavam Roma e o Norte da África, onde Agostinho vivia. O mestre lhes respondia: “Os tempos somos nós! Nós é que fazemos os tempos!”.

E, aludindo explicitamente à cidade de Roma periclitante sob os golpes dos godos em 410, exclamava: “Roma não são pedras e muralhas. Estas foram construídas de tal modo que um dia, cedo ou tarde, haveriam de desmoronar... Roma são os romanos... Roma não perecerá se os romanos não perecerem!” (Sermão 81,9).

Em ambos os casos, o S. Doutor quer dizer que o homem tem uma grandeza interior mais pujante do que o desenrolar dos tempos e o curso das pedras; o homem é chamado pelo Criador a fazer a história, e não se deve julgar condenado a capitular porque os tempos são ingratos ou certos valores materiais se perdem. O homem é que dá aos tempos os adjetivos que lhes queira dar.

O mesmo Santo ainda dizia: “Semeia o bem, e colherás o bem. Não esperes que os outros comecem. Toma a iniciativa, faze a tua parte, e verás que o bem brotará em torno de ti”. Este programa já fora insinuado pelo Apóstolo (“Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem!”, Rm 12,21) e ressoaria nas palavras de São João da Cruz (+1591): “Onde não há amor, põe amor e colherás amor”.

De certo modo, o homem contemporâneo pode “consolar-se” por verificar que a queixa referente à ingratidão dos tempos já data do século V. Pode-se crer que seja tão antiga quanto o gênero humano.

O Cristianismo veio projetar nova luz sobre o problema. Os tempos não são regidos pelo mecanismo dos acontecimentos apenas, mas estão sob o domínio do Cristo Jesus, Rei dos séculos. Precisamente na vigília de Páscoa, quando em meio às trevas da noite se acende o Círio Pascal, exclama a Liturgia:

“Cristo ontem e hoje
Princípio e Fim
Alfa e Ômega.
A Ele o tempo e a eternidade,
A glória e o poder pelos séculos sem fim!
Amém”.

O cristão é portador da força vitoriosa de Cristo. Isto não significa que esteja isento de sofrer, mas, sim, que o próprio sofrimento traz em si o seu antídoto, pois foi transformado pelo Cristo em penhor de glória eterna. Não há, pois, como capitular, para o cristão; não há também por que repetir o chavão “Os tempos são maus”; antes, a inclemência dos tempos há de ser ocasião para que o cristão se lembre de que lhe toca uma grande tarefa a realizar com têmpera forte: Sede bons, e os tempos serão bons!”

Revista Pergunte e Responderemos - Abril 1991 - nº 347

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