"PORQUE ONDE ESTIVER O TEU TESOURO, ALI ESTARÁ O TEU CORAÇÃO". Mt 6,21

quarta-feira, 2 de junho de 2010

“Tu me moves, meu Deus...”



Certo autor anônimo deixou-nos estes versos:
“Tu me moves, meu Deus,
Move-me ver-te cravado em uma cruz e escarnecido
Move-me ver teu corpo tão ferido,
Movem-me tuas afrontas e tua morte.
Move-me, enfim, teu amor de tal maneira,
Que, ainda que não houvesse céu, eu te amaria.
Ainda que não houvesse inferno, eu te temeria.
Nada tens que me dar para que eu te ame.”

Com tais palavras o autor queria exprimir a consciência de que Deus ama cada criatura a tal ponto que faria por cada uma o que fez por todas: “Ele me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20). Como aliás recorda o símbolo do Coração de Jesus. Coração pelo qual pulsou o amor eterno de Deus, mas que tem sido esquecido até mesmo por aqueles que se dizem seus fieis.
O autor dos versos sabia também que amor só se paga com amor,... não necessariamente amor afetivo, sentimental, mas sim amor efetivo, que efetua ou cumpre a vontade do Amado: “Vós sois meus amigos se praticais o que eu vos mando” (Jo 15,14). A prática concreta há de ser o sinal desse amor: “Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no Reino dos Céus, mas aquele sim que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus” (Mt 7,21).
Nos séculos XVII/XVIII a escola dita “do Quietismo” quis aprimorar o amor do cristão ao Senhor, alegando que deveria desinteressar-se de qualquer prêmio ou sanção; seria o amor puro. Esta teoria seduziu muitos fieis: amar a Deus porque Deus é amor misericordioso seria mais perfeito do que o amar porque Ele promete a bem-aventurança... Todavia tal doutrina não foi aceita pela Igreja, por mais sedutora que seja. A França foi agitada por escritos em prol e em contrário do Quietismo, grandes nomes como Fénelon, Boussuet Lacombe o debateram até ser condenado pelo Papa Inocêncio XII em 1699. E por que condenado?
- Porque dissocia da plena realização do homem o amor de Deus. Na verdade, quanto mais alguém ama a Deus tanto mais se aperfeiçoa e auto-realiza, habilitando-se à íntima comunhão com Deus e auto-realizar-se são dois valores inseparáveis um do outro. Quanto mais o artefato é perfeito, tanto mais ele exprime a perfeição do Artista. Assim é o ser humano: imagem do Exemplar Divino, quanto mais é belo pelo amor tanto mais proclama a Beleza do Amado. “O homem vivente é a glória de Deus”, afirma S. Ireneu (+ 202).
Possam estas reflexões contribuir para uma vivência mais profunda do mês de junho dedicado ao Coração de Jesus, símbolo do Amor “que primeiro nos amou” (Jo 4,19).
Dom Estêvão Bettencourt O.S.B.
Revista Pergunte e Responderemos - junho de 2003

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