"PORQUE ONDE ESTIVER O TEU TESOURO, ALI ESTARÁ O TEU CORAÇÃO". Mt 6,21

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Sábado ou Domingo?



“Há igrejas que guardam o sábado em vez do domingo como dia dedicado ao Senhor e dia de descanso. A Bíblia fala dos dois dias. De onde vem nosso costume de celebrar o domingo e não o sábado como dia do Senhor, que a gente tem que descansar e ir à Missa?”

Essa pergunta foi feita a Dom Estêvão Bettencourt que respondeu-a em seu livro intitulado: Católicos Perguntam.

A Lei de Moisés, entre as suas prescrições mais antigas, mandava que os judeus descansassem no sétimo dia ou sábado (shabbath), dedicando-o totalmente ao Senhor (v. Ex 20,8; 23,12; 34,21). A palavra shabbath, em hebraico, significa repouso; está relacionada com sheba, sete em hebraico. Donde vemos que o conceito de sábado envolve tanto a ideia de repouso como a de sétimo dia.

Durante sua vida mortal, Jesus se submeteu à lei: quis ser circuncidado e acompanhar a sua gente na observância do sábado. Repreendia, porém, os fariseus por seu rigorismo, que podia chegar à hipocrisia, colocando a caridade acima da observância literal do sábado (cf Mt 12,10-14; Lc 13,10-17; 14,1-6...). Lembrava o seguinte princípio: “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado” (Mc 2,27); o sábado seria, pois, um meio para o homem atingir mais seguramente o grande fim de sua vida, a união com Deus, não seria um fim em si.

Consequentemente, Jesus atribuiu a si mesmo o poder de modificar ou suspender a guarda do sábado (cf Mc 2,28). Por causa disso, os doutores da Lei o incriminaram (Jo 5,9), mas Jesus respondia que não fazia senão imitar o Pai que, tendo entrado no seu repouso após criar o mundo, continuava a governar a este a aos homens (Jo 5,17). Foi, por certo, esta atitude de Jesus que inspirou aos antigos cristãos uma certa liberdade em relação ao sábado, fazendo-os compreender o espírito da observância desse dia.

Evangelho: nova lei do cristão

Os discípulos, a princípio, continuaram a guardar o sábado. É o que se depreende das suas atitudes por ocasião do sepultamento de Jesus (v. Mt 28,1; Mc 15,42...). Mesmo depois da Ascensão do Senhor, continuavam a frequentar as reuniões de culto dos judeus aos sábados, para anunciar aí o Evangelho (At 13,14; 16,13; 17,2; 18,4). De maneira geral, os cristãos observavam os costumes religiosos dos judeus (cf. At 2,1.46; 3,1; 10,9); somente aos poucos foram tomando plena consciência das consequencias práticas decorrentes da superação da antiga Lei pela nova – o Evangelho.

Podemos crer que São Paulo, arauto da abolição das observâncias judaicas, não tenha imposto a celebração do sábado aos cristãos convertidos do paganismo. O apóstolo chegava mesmo a acautelar os fieis contra a infiltração de ideias judaizantes: “Que ninguém vos critique por questões de alimentos ou bebidas ou de festas, novas luas e sábados, que são apenas sombra de coisas que haviam de vir, mas a realidade é o corpo de Cristo” (Cl 2,16-17).

Por isso, em breve o primeiro dia da semana judaica, posterior ao sábado, quando Cristo ressuscitou, tornou-se o dia de culto dos cristãos ou o dia do Senhor. No ano de 57/58, por exemplo, em Trôade, na Ásia Menor, os cristãos se reuniam no primeiro dia da semana, conforme At 20,7, para celebrar a Eucaristia. Em 1Cor 16,2 São Paulo recomenda aos fieis a coleta em favor dos pobres no primeiro dia da semana – o que supõe uma assembleia religiosa realizada naquele dia.

Assim, foram transferidas para esse dia, práticas que os judeus celebravam aos sábados, como louvor de Deus e a esmola. É muito provável que as comunidades fundadas por São Paulo tenham observado o primeiro dia da semana (dia da ressurreição de Cristo). Esse dia, dedicado à glorificação do Senhor vitorioso sobre a morte, tomou adequadamente o nome de Kyriaké herméra, dia do Senhor (ou, propriamente, dia imperial), como se depreende de Ap 1,10: “Fui arrebatado em espírito no dia do Senhor”. O grego Kyriaké herméra deu em latim Dominica dies, donde, em português, dominga ou domingo.
                                                        
Caráter figurativo do sábado

Pode-se crer que a celebração do domingo tenha tido origem na própria Igreja-mãe de Jerusalém, pois os apóstolos estavam reunidos no 50º dia (Pentecostes), que era domingo, quando receberam o Espírito Santo (cf At 2,1-3). Este quis se comunicar não num sábado, como Cristo também não quis ressuscitar num sábado, mas no dia seguinte, domingo.

Nesta perspectiva cristã, o antigo sábado dos judeus passou a ser uma figura, como, aliás, muitas outras instituições do Antigo Testamento. É a Epístola aos Hebreus que incute esse caráter figurativo e provisório das instituições da Lei de Moisés (v. Hb 4,3-11), com referência ao sábado).

Aliás, observando o domingo, os cristãos estão obedecendo exatamente à Lei de Deus, pois dedicam todo sétimo dia ao repouso (sheba e shabbath) e ao culto do Senhor; apenas deslocaram em um dia a contagem dos dias da semana. Isso ficou bem nítido na nomenclatura portuguesa, como se vê abaixo:

Semana judaica: 1ª feira, 2ª f., 3ª f., 4ª f., 5ª f., 6ª f., 7ª f.
Semana cristã: 2ª f., 3ª f., 4ª f., 5ª f., 6ª f., Sábado, Domingo.

Seria, de resto, despropositado que os cristãos continuassem a observar o sétimo dia dos judeus, visto que nesse dia Jesus ficou no sepulcro e só ressuscitou no dia seguinte, apresentando-nos a nova criatura, à qual nos devemos todos conformar.

Examinemos agora um pouco a história: desce o século II, há depoimentos que atestam a celebração do domingo tal como foi instituída pelos apóstolos, conscientes do significado da ressurreição de Cristo. Assim Santo Inácio de Antioquia (+ 110, aproximadamente) escrevia aos Magnésios: “Aqueles que viviam na antiga ordem de coisas, chegaram à nova esperança, não observando mais o sábado, mas vivendo segundo o dia do Senhor, dia em que nossa vida se levantou mediante Cristo e a sua morte” (9,1).

Em meados do século II, encontra-se o famoso depoimento de São Justino, escrito entre 153 e 155: “No dia dito do sol, todos aqueles dos nossos que habitam as cidades ou os campos, se reúnem num mesmo lugar. Leem-se as memórias dos apóstolos e os escritos dos profetas...

Quando a oração está terminada, são trazidos pão e vinho e água... Nós nos reunimos todos no dia do sol, porque é o primeiro dia, aquele em que Deus transformou as trevas e a matéria para criar o mundo, e também porque Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dos mortos nesse dia mesmo” (I Apologia 67,3. 7).

Nessa passagem, São Justino atesta a celebração da Eucaristia no domingo. Chama-o “dia do sol” porque se dirige a pagãos; faz questão, porém, de lembrar que tal designação é de origem alheia, não cristã: “No dia dito do sol”. Vemos, pois, que a celebração do domingo entre os cristãos está longe de ser uma concessão aos festejos pagãos do dia do sol; nada tem de pagão, mas é nitidamente inspirada por motivos bíblicos do Antigo e do Novo Testamentos.

O fato do Imperador Constantino ter preceituado, em 321, certo repouso “no venerável dia do sol” não quer dizer que ele tenha introduzido a observância do dia do Senhor entre os cristãos; esta, como vimos, data da época dos apóstolos, tendo sido apenas patrocinada por Constantino, desde que se tornou cristão.

Católicos Perguntam - Dom Estêvão Bettencourt O.S.B.

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