"PORQUE ONDE ESTIVER O TEU TESOURO, ALI ESTARÁ O TEU CORAÇÃO". Mt 6,21

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Purgatório - Noções complementares

Dom Estêvão Bettencourt O.S.B.

1. Paradoxalmente, o purgatório é também um estágio de vida cumulado de alegria,... de alegria a que nenhum dos prazeres da terra pode ser comparado. Com efeito, a alegria no purgatório jorra da consciência que a alma tem, de que ela pertence ao amor de Deus de modo irreversível. Ela sabe que é o amor que a purifica e que nela cresce para penetrá-la por completo.

Deve-se mesmo dizer que a alma no purgatório não deseja evitar este estado, pois reconhece que é um dom da misericórdia divina sem o qual ela não poderia atingir a sua consumação.

S. Catarina de Gênova (+ 1510) deixou no seu “Tratado sobre o purgatório” as seguintes reflexões, que merecem ser levadas em conta:

“Enquanto depende de Deus, vejo que o céu não tem portas, e aí pode entrar quem queira, pois Deus é todo bondade; mas a divina essência é tão pura que a alma, tendo em si algum empecilho, se precipita por si no purgatório, onde encontra essa grande misericórdia: a destruição do seu empecilho.

Enquanto a purificação não está terminada, essas almas compreendem que, caso se aproximassem de Deus pela visão beatifica, não estariam no seu lugar, e em consequência, experimentariam maior sofrimento do que ficando no purgatório” (cap. 9 e 16)

“Paz nenhuma é comparável à das almas do purgatório, excetuando a dos Santos no céu; e essa paz aumenta incessantemente pela influência progressiva de Deus sobre essas almas e à medida que os empecilhos desaparecem. A ferrugem do pecado é o obstáculo...; quando esta ferrugem se vai, a alma reflete cada vez mais perfeitamente o verdadeiro Sol que é Deus. sua felicidade aumenta na proporção em que a ferrugem diminui” (cap. 2).

“As almas do purgatório não podem desejar outra coisa senão permanecer onde estão, como Deus em justiça dispôs... Não podem dizer consigo mesmas: ‘Esta alma será libertada antes de mim’, ou ‘Eu antes dela’... Acham-se tão satisfeitas com as disposições de Deus a seu respeito que amam tudo que agrada a Deus” (cap. 1).

2. Vê-se, pois, que não se deve comparar o purgatório ao inferno. Neste as almas se acham incompatibilizadas com o amor e fixadas para sempre na aversão a Deus e ao próximo. Enquanto o purgatório é prenhe de esperança e caridade serenas, o inferno é a retorsão de todos os valores humanos e cristãos.

No inferno, além da ausência de deus, admite-se algo que a S. Escritura chama “fogo”, aguilhão físico e real, cuja natureza os teólogos não sabem explicitar com exatidão. Fala-se também de “fogo do purgatório”. Parece, porém, que não se trata senão de uma metáfora para designar o próprio sofrimento decorrente da dilação da visão face-a-face.

O conceito de “fogo do purgatório” provocou no século XV (época do Concílio de Florença) decidida repulsa por parte dos cristãos orientais separados de Roma; a estes o fogo do purgatório lembrava um inferno provisório, ou seja, uma aberração doutrinária.

Os cristãos do Oriente até o século XVII aceitavam, sem dificuldade, a ideia de uma purificação póstuma no sentido aqui exposto (sem menção de fogo). A partir do século XVII, porém, sob a influência de autores protestantes, têm hesitado em sua posição doutrinária. Não obstante, ainda hoje muitos aceitam uma purificação póstuma, evitando descer a pormenores e reconhecendo a eficácia da oração e dos sufrágios pelos defuntos.

A seguir: Sufrágios pelos defuntos

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