"PORQUE ONDE ESTIVER O TEU TESOURO, ALI ESTARÁ O TEU CORAÇÃO". Mt 6,21

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

“Como Jesus Se Tornou Deus” - FIM da matéria

 Cabe agora examinar a história do século IV.
 
RECORDANDO O PRINCÍPIO DESSA MATÉRIA
 
Em síntese: O autor da reportagem julga que Jesus só foi reconhecido como Deus no século IV, por ocasião do Concílio de Nicéia I (325), Concílio manipulado pelo Imperador Constantino em vista de interesses políticos. – A tese é refutada pela apresentação de textos dos Evangelhos sinóticos que professam a Divindade de Jesus ao contrário do que pensa o repórter, ao lado dos restantes livros do Novo Testamento. O Concílio de Nicéia I se voltou para a procura de uma fórmula que professasse a Divindade de Jesus sem renegar o monoteísmo judeo cristão. Tal foi a fórmula: “Deus de Deus... gerado, não feito, consubstancial ao Pai”.
A revista GALILEU de dezembro de 2005, pp. 28-37 publicou uma reportagem de Paulo Nogueira intitulada “Como Jesus se tornou Deus”, reportagem segundo a qual Jesus, tido como mero profeta, foi proclamado Deus no século IV pelo Concílio de Nicéia I (325) manipulado pelo Imperador Constantino, que visava a interesses políticos.
Nas páginas que se seguem, encerro o tema respondido por Dom Estêvão (autora do Blog)
 
2.      A história até o século IV
 
Distinguiremos 1) a evolução do pensamento teológico, 2) o papel de Constantino e 3) o sentido da definição dogmática de Nicéia.
2.1. A evolução do pensamento teológico
Nos três primeiros séculos os pensadores cristãos procuraram conciliar entre si duas proposições recebidas dos Apóstolos: Jesus é Deus; não obstante não há dois deuses.
As tentativas realizadas em vista da conciliação nem sempre prevaleceram sobre a fé em Jesus Cristo verdadeiro Deus e verdadeiro homem ou o mistério da Encarnação de Deus. Eis alguns testemunhos significativos:
S. Inácio de Antioquia (+ 107 aproximadamente); exalta a Divindade de Jesus, apresentando binômios que conjugam o divino e o humano:
“Aguarda Aquele que paira acima dos eventos mesquinhos, o Atemporal,
o Invisível que por nossa causa se fez visível,
o Impalpável,
o Impassível, que por nós se fez passível” (A S. Policarpo 3. 2).
Ou ainda:
“Um é o médico
na carne e no espírito
gerado (gennetós) e não criado (agénetos)
aparecendo na carne como Deus
na morte vida verdadeira
tanto de Maria como de Deus
antes passível agora impassível
Jesus Cristo Senhor nosso”.
(Aos Efésios 7,2)
Santo Ireneu (+202 aproximadamente) enfatiza a ideia da Encarnação: em Jesus apareceu Deus feito homem:
“Jesus Cristo nosso Senhor, por causa de seu amor superabundante, se fez o que nós somos, para fazer de nós o que Ele próprio é” (Contra as Heresias Lviro V. prólogo).
“O Verbo de Deus se fez homem, para que o homem receba a filiação divina... Pois, como poderíamos participar da eternidade e imortalidade, se, antes, não se tivesse feito como nós o Eterno e Imortal, de modo que nossa corruptibilidade fosse absorvida por sua incorruptibilidade, e nossa mortalidade por sua imortalidade?” (ib III 19,1).
Tertuliano (+ 220 aproximadamente) não é menos explícito. Vê em Cristo duplicem statum ou um duplo estado, ou seja, duas naturezas bem distintas uma da outra (a Divina e a humana), mas unidas entre si de tal modo que Jesus é um só eu, um só sujieoti, uma só pessoa (divina). A dualidade de naturezas e a unidade de pessoa é assim formulada:
“Vemos este duplo estado, não confundido, mas reunido numa só Pessoa, Jesus, Deus e homem... E a tal ponto fica salvaguardada a peculiaridade de uma e outra substância que nele o Espírito realizou a suas operações, isto é, os seus milagres, as suas obras e os seus sinais, e a carne experimentou as suas paixões, a fome com o demônio, a sede com a Samaritana, as lágrimas por causa de Lázaro e a angústia até a morte e finalmente a própria morte” (Contra Praxéias 27,11).
Vê-se que, para Tertuliano, a realidade única de Cristo não exclui, mas implica, uma duplicidade de componentes, reunidos, mas não confundidos; esta duplicidade pertence a uma única pessoa, a do Verbo.
Temos aqui a antecipação da fórmula definitiva do Concílio de Calcedônia (451).
Como se vê, a Divindade de Cristo era afirmada. Restava, porém, conciliá-la como o monoteísmo.
2.2. O papel de Constantino
O Imperador Constantino (306-337) tornou-se benemérito por haver dado a paz aos cristãos mediante o edito de Milão em 313. Passou por uma evolução religiosa notável. Vagamente monoteísta, quando começou a governar, reconheceu no Cristianismo um fator que lhe asseguraria êxito político: daí o apoio que em seus primeiros tempos de governo outorgou à Igreja. Aos poucos, porém, Constantino foi assimilando a própria mensagem do Evangelho, de modo que não pode ser tido como “hipócrita beato”. Em 315, por exemplo, declarava: “Dedico pleno respeito à regular e legítima Igreja Católica”, e vinte anos mais tarde: “Professo a mais santa das religiões... Ninguém pode negar que sou um fiel servidor de Deus” (ver Daniel-Rops, L’Eglise des Apôtres et des Martyrs. Paris 1948, p. 495).
Constantino acreditava ter recebido uma missão especial de Deus para harmonizar o Estado e a Igreja. Dizia ser o episKopos (vigilante) de fora; assim, por exemplo, falou a Bispos reunidos num Concílio regional: “Vós sois episkopoi (= bispos) daqueles que estão dentro da Igreja; eu, porém, fui constituído por Deus episkopos (- vigilante) daqueles que estão fora da Igreja”. Com tais palavras Constantino queria afirmar que se considerava encarregado das populações ainda não cristãs, às quais deveria levar o Evangelho; mas, através desse encargo, o Imperador se julgava habilitado a orientar até mesmo as controvérsias teológicas, nas quais interveio mais de uma vez.
Deve-se ainda observar que o envolvimento dos imperadores na ordem interna da Igreja não deturpou a estrutura e a doutrina do Cristianismo. A mensagem do Evangelho foi, através de tais vicissitudes, vivida pelo povo de Deus de modo a poder transmitir-lhe íntegra às gerações subsequentes. O fato de terem cooperado, entre si a Igreja e o Império não é um mal em si; não há por que rejeitar de antemão o bom entendimento entre aquela e este, a menos que se professe um maniqueísmo (dualismo) sócio-político. Se um Imperador se diz católico e nada prova que não é sincero, a Igreja tem o direito e o dever de contar com ele como um filho seu, a quem compete proclamar o Evangelho.
3.3 a definição de Nicéia
Rejeitando o monarquismo dinamista e modalista que negava a identidade divina do Filho, a Igreja afirmava sua fé em Cristo, Pessoa Divina e distinta do Pai. Todavia não estava explicada a maneira como se relacionam entre si o Filho e o Pai. No século IV muitos admitiram a Divindade do Filho, subordinando-o, porém, ao Pai; donde resultou a tese do subordinacionismo, que teve em Ário de Alexandria o seu principal arauto.
O presbítero Ário de Alexandria afirmava que o Filho é criatura do Pai, a primeira e a mais digna de todas, destinada a ser instrumento para a criação de outros seres. Em virtude de sua perfeição, o Filho ou Logos poderia ser chamado “Filho de Deus”, como reza a tradição.
O Bispo Alexandre de Alexandria reuniu um Sínodo local, contando cerca de cem Bispos, que condenaram a doutrina de Ário e dos seus seguidores em 318. A decisão foi comunicada a outros Bispos, inclusive ao Papa S. Silvestre.
Ário, porém, conseguiu novos defensores pra a sua causa – o que tornou mais árdua a controvérsia. Diante dos fatos, o Imperador Constantino, que em 324 vencera Licínio, tornando-se único senhor do Império, resolveu intervir: tinha como assessor teológico o santo Bispo Ósio de Córdoba (Espanha), que Constantino enviou a Alexandria para aproximar Ário do Bispo Alexandre; a missão, porém, fracassou. Então Constantino resolveu convocar um Concílio ecumênico para Nicéia na Ásia Menor em 325, ao qual compareceram cerca de 300 Bispos, provenientes de todas as partes do mundo cristão: o Papa Silvestre, de idade avançada, mandou dois presbíteros seus representantes. As discussões foram longas e agitadas. Por fim, os padres conciliares redigiram o Símbolo de Fé de Nicéia, que afirmava ser o Filho “Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado não feito, consubstancial (homoousios) ao Pai; por Ele foram feitas todas as coisas”.
A palavra homoousios torna-se, de então por diante, a senha da reta doutrina. Significava que o Filho é da mesma natureza (= Divindade) que o Pai; não saiu do nada como as criaturas, mas desde toda a eternidade foi gerado sem dividir a natureza divina.
O Imperador Constantino tomou aos seus cuidados a defesa do Concílio de Nicéia. Exilou Ário e quatro Bispos que não queriam aceitar, na íntegra, a definição do Concílio. Condenou às chamas os escritos de Ário; seria punido quem os guardasse às ocultas.
Vê-se, pois, que o Concílio definiu haver uma só Divindade ou uma só natureza divina, que subsiste de três maneiras: como Pai, como Filho e como Espírito Santo. Encontrou assim a fórmula que conciliava a Divindade de Jesus (professada pelo Novo Testamento e pela Tradição) como o estrito monoteísmo bíblico. Jesus não “se tornou” Deus no século IV.
revista - Pergunte e Responderemos - março de 2006
 
Dom Estêvão Bettencourt O.S.B.
 

5 comentários:

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