"PORQUE ONDE ESTIVER O TEU TESOURO, ALI ESTARÁ O TEU CORAÇÃO". Mt 6,21

sábado, 13 de novembro de 2010

Purgatório continuação - Desordem para o próximo e o mundo




3) Levemos em conta também que, mesmo após haver recebido o perdão do pecado, o homem fica sendo responsável pela desordem que o pecado geralmente acarreta para o próximo e para o mundo. As palavras e as ações de um homem têm, frequentemente, dimensões muito mais amplas do que as do momento presente; seus efeitos escapam às previsões e ao controle de quem as produz. Não é raro que, no decorrer de sua peregrinação terrestre, o homem deixe marcas de sua atividade, as quais continuarão atuantes mesmo depois da morte do respectivo sujeito.

4) A justa satisfação pode ser prestada pela criatura ainda na vida presente (processo este que é normal e deveria ser considerado por todos os cristãos como programa de vida aqui na Terra), quando o penitente então se empenha, corajosamente, por se livrar de suas más tendências e tornar puro o seu amor a Deus e ao próximo. Se não o consegue nesta peregrinação (por motivo de covardia, tibieza ou outro qualquer), compreende-se logicamente que deverá chegar a essa pureza na vida póstuma, antes de entrar na visão face a face de Deus.

Nessa hora, a criatura se arrependerá por ter condescendido com a moleza e a indefinição; a alma terá consciência de que deveria ter sido mais coerente e menos leviana; tomará consciência de que foi cercada pelo amor de Deus no decorrer de toda a sua vida e o ignorou ou esbanjou (amarga consciência). Essa verificação não poderá deixar de lhe ser dolorosa, principalmente porque a alma perceberá que, por causa de sua indefinição na Terra, será adiada ou postergada a sua entrada no gozo definitivo de Deus. Além disso, lhe será duro averiguar que faltou ao encontro marcado com Deus justamente após a morte, quando os fieis mais fome e sede têm de Deus.

Aprofundando ainda essas ideias, podemos dizer: é devagar ou lentamente que o homem se torna, segundo todas as dimensões do seu ser, aquilo que ele já é no núcleo de sua personalidade. Em outros termos: uma decisão generosamente abraçada pela vontade do homem não costuma penetrar e mover instantaneamente todas as camadas da personalidade; ela muitas vezes encontra, no fundo da consciência ou também no inconsciente do indivíduo, uma resistência mais ou menos tenaz, resistência esta que provém de hábitos passados do sujeito. É essa resistência que deve ser vencida, de modo a exigir da alma o empenho cada vez mais enérgico do seu amor, a fim de que este possa penetrar em toda a respectiva personalidade.

Fala-se de fogo do purgatório; todavia, isso não é senão uma metáfora, para designar o sofrimento decorrente do adiamento da visão face a face. Paradoxalmente, o purgatório é também um estágio de vida cumulado de alegria... Com efeito, esta jorra da consciência que a alma tem, de que pertence ao amor de Deus de modo irreversível. Ela sabe que é o amor que a purifica e que nela cresce, a fim de poder penetrá-la por completo. Deve-se mesmo dizer que a alma no purgatório não deseja evitar este estado, pois reconhece que o mesmo é um dom da misericórdia divina, sem o qual não poderia atingir a sua consumação.

Eis a autêntica noção de purgatório. Vemos que é algo de muito lógico, fundado na Escritura e aprofundado pela tradição da Igreja. Possam os fieis tomar consciência sempre mais viva da necessidade de perfazer seu purgatório na presente vida mesmo!

Católicos Perguntam – Dom Estêvão Bettencourt O.S.B.

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