"PORQUE ONDE ESTIVER O TEU TESOURO, ALI ESTARÁ O TEU CORAÇÃO". Mt 6,21

sábado, 6 de agosto de 2011

Possessão diabólica é possível?

“Afinal, há ou não há a possessão diabólica? Quando os crentes (ou os carismáticos) dizem ter expulsado demônios, expulsaram mesmo? Senão, o que aconteceu?”

Dom Estêvão responde:


Em primeiro lugar, convém definir a possessão diabólica: é um estado no qual o demônio se apodera das faculdades da pessoa e age por meio delas, independentemente da vontade de tal indivíduo; exprime-se principalmente em blasfêmias e revolta contra deus. A possessão diabólica é distinta do estado de pecado grave, pois não supõe necessariamente culpa da parte do possesso.


A existência da possessão diabólica é atestada pelos Evangelhos; Jesus praticou exorcismos (cf. Mt 12,27). Ora, não se pode crer que o Senhor tenha fingido expulsar demônios quando não os havia. Ele veio precisamente para dar testemunho da verdade (cf. 19,37). Em consequência, é de se crer que Jesus encontrou casos reais de possessão durante o seu ministério público.

Após Jesus Cristo, no decorrer da história da Igreja, muitas vezes os cristãos julgaram estar diante de possessão diabólica. Diagnosticavam-na mediante sintomas que pareciam inexplicáveis aos olhos da ciência e da razão; assim, o falar línguas estranhas, o contorcer-se no chão, o adivinhar pensamentos alheios pareciam indicar possessão. Em nossos dias, porém, a Igreja recomenda cautela diante de tais fenômenos, pois os mesmos já são explicáveis pela psicologia e parapsicologia. Daí a reserva das autoridades eclesiásticas, que julgam ser possível a ocorrência da possessão diabólica – que se caracteriza principalmente pelo ódio a Deus e a blasfêmia -, mas afirmam que a mesma deve ser bem diferenciada de manifestação imprevista do psiquismo humano.

Exorcismo: prática controlada pela Igreja

O ritual da Igreja conhece dois tipos de exorcismo:

1) o menor consiste em orações, que podem ser proferidas por qualquer cristão, mas não devem ser utilizadas sem critérios. Em nossos dias, existe uma tendência exagerada a crer que o demônio é o autor de todas as desgraças físicas e morais, de modo que, para debelar qualquer infortúnio, se diz a oração do exorcismo menos ou simples. A sesta prática está subjacente um erro, que pode ter graves consequências: a precipitação para admitir intervenções diabólicas suscita um clima de apavoramento nos fieis, apavoramento este que pode provocar doenças nervosas. Na verdade, o ser humano é suficientemente malvado para explicar a existência dos pecados e outros males no mundo. O demônio tenta o pecador, sem dúvida, mas não se deve supor com facilidade que ele seja o inspirador de todas as tentações. De resto, Santo Agostinho diz, com razão, que o demônio é um cão acorrentado; pode ladrar e fazer muito barulho, mas só morde aqueles que dele se aproximam.

2) o exorcismo maior é muito complexo. Supõe um sacerdote nominalmente designado pelo bispo; o exorcista se prepara mediante jejum e profere numerosas orações, às vezes por dias sucessivos. Isso só ocorre nos casos de possessão diabólica judiciosamente diagnosticada. Trata-se, portanto, de algo muito raro.

Na base dessas premissas, pode-se dizer que, nas assembleias protestantes, os pastores presumem muito fácil e precipitadamente haver possessão diabólica; em certas igrejas, todos os infortúnios são atribuídos ao demônio, de modo que os exorcismos se repetem com frequência: às vezes, o paciente é espancado como se se espancasse o demônio, o que redunda em ferimentos sérios para o “possesso”.

Na verdade, essas “vítimas” não são possessas; são pessoas que sofrem como os demais mortais sofrem. Não é, portanto, o caso de se lhes aplicar o exorcismo; este provoca um ambiente de histeria coletiva com gritos, exclamações, aplausos teatrais... O que se deve fazem em tais caso sé pedir ao Senhor que alivie as pessoas sofredoras e as livre de seus males, sem, porém, recorrer ao exorcismo. A oração é a grande arma do cristão; é preciso crer mais na oração e procurar menos os recursos teatrais.

Se alguém se diz beneficiado ou curado em virtude do exorcismo aplicado pelo pastor, pode-se afirmar que tal bem-estar resulta da sugestão incutida pelo exorcismo. O exorcismo como tal não tem efeito sobe o demônio que no caso não está atuando, mas leva a vítima a crer que está curada. Ora esta sugestão desbloqueia o íntimo do paciente e o induz a se sentir bem e normal. Trata-se, pois, de efeito da sugestão, que ocorre nos casos de doenças funcionais ou de doenças de fundo nervoso (asma, eczema, úlcera estomacal etc).

Rituais emotivos e teatrais: “apelação”


A Igreja Católica não pode concorrer com as características emotivas e teatrais do culto pentecostal protestante. A mensagem da Igreja não é fantasiosa nem recorre à “apelação”, que fala aos sentimentos e às emoções mais do que à inteligência e ao raciocínio. A Igreja fala ao fundo do ser humano e tende a provocar nele uma adesão que não é “festiva”, mas séria e total.

Em apêndice, segue-se uma Instrução da Congregação para a Doutrina da Fé dirigida aos Bispos a respeito do uso do exorcismo. Foi assina em 24/9/1985 pelo cardeal Joseph Ratzinger¹, Prefeito da referida Congregação (órgão da Santa Sé encarregado de questões atinentes à fé e à moral):


“Excelentíssimo Senhor:


Há alguns anos, certos grupos eclesiais multiplicam reuniões para orar no intuito de obter a libertação do influxo dos demônios, embora não se trate de exorcismo propriamente dito. Tais reuniões são efetuadas sob a direção de leigos, mesmo quando está presente um sacerdote.


Visto que a Congregação para a Doutrina da Fé foi interrogada a respeito do que pensar diante de tais fatos, este Dicastério julga necessário transmitir a todos os Ordinários a seguinte resposta:


1. O cânon 1172 do Código de Direito Canônico declara que a ninguém é lícito proferir exorcismo sobre pessoas possessas, a não ser que o Ordinário do lugar tenha concedido peculiar e explícita licença para tanto (1º). Determina também que esta licença só pode ser concedida pelo Ordinário do lugar a um presbítero dotado de piedade, sabedoria, prudência e integridade devida (2º). Por conseguinte, os Srs. Bispos são convidados a urgir a observância de tais preceitos.

2. Destas prescrições, segue-se que não é lícito aos fieis cristãos utilizar a fórmula de exorcismo contra Satanás e os anjos apóstatas, contida no Rito que foi publicado por ordem do Sumo Pontífice Leão XIII; muito menos lhes é lícito aplicar o texto inteiro deste exorcismo. Os Srs. Bispos tratem de admoestar os fieis a propósito, desde que haja necessidade.

3. Por fim, pelas mesmas razões, os Srs. Bispos são solicitados a que vigiem para que – mesmo nos casos que pareçam revelar algum influxo do diabo, com exclusão da autêntica possessão diabólica – pessoas não devidamente autorizadas não orientem reuniões nas quais se façam orações para obter a expulsão do demônio, orações que diretamente interpelem os demônios ou manifestem o anseio de conhecer a identidade dos mesmos.


A formulação destas normas de modo nenhum deve dissuadir os fieis de rezar para que, como Jesus nos ensinou, sejam livres do mal (cf. Mt 6,13). Além disso, os Pastores poderão valer-se desta oportunidade para lembrar o que a Tradição da Igreja ensina a respeito da função própria dos Sacramentos e a propósito da intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria, dos anjos e dos Santos na luta espiritual dos cristãos contra os espíritos malignos.


Aproveito o ensejo para exprimir a V. Excia. Meus sentimentos de estima, enquanto lhe fico sendo dedicado no Senhor. Joseph Card. Ratzinger –Prefeito”


É em observância destas normas que hão de proceder os grupos de oração católicos.
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¹ Hoje Papa Bento XVI

Dom EstêvãoBettencourt O.S.B.
Católicosperguntam

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